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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Margaret Way, Pty., Ltd. Todos os direitos reservados.

TERRA DE NINGUÉM, N.º 1351 - Outubro 2012

Título original: Master of the Outback

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2012.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer seme-lhan a com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, logotipo Harlequin e Bianca são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-1292-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

Chegara a primavera e no ar pairavam cheiros de renovação. As azáleas, os rododendros e uma incrível variedade de bolbos, lírios maravilhosos, íris, jacintos, rosas perfumadas e narcisos dourados floresciam nos parques e jardins. Uma fragrância sensual impregnava a cidade, como o tule delicado de uma noiva. O céu tinha o brilho azul de uma opala, apesar de salpicado por algumas nuvens.

Genevieve Grenville dava, virtualmente, saltos de alegria, desde que a sua vida começara a ser afortunada depois de tocar no fundo. Mas isso pertencia ao passado, pois manter uma atitude positiva e sentir-se sortuda era o que marcaria o seu futuro. Em breve, esqueceria as humilhações desse passado que já começava a desaparecer.

Transformar-se numa autora reconhecida, que naquele momento ia ver a sua agente literária e boa amiga, Maggie MacGuire, levando o livro que estava convencida de que seria um bestseller, fora a chave da sua transformação. Tinha a certeza de que Maggie ia adorar o rascunho final de Amantes e Perdedores. Ela acompanhara-a ao longo de todo o processo, incluído o momento desastroso da sua vida privada, que estivera prestes a acabar com qualquer vestígio de segurança em si própria.

A sua obra-prima, Segredos do Passado, fora a sua tábua de salvação. A cópia que trazia agora consigo ecoava no interior da sua mala, com o movimento dos seus passos enérgicos e, senti-lo, aumentava a sua confiança. Com vinte e sete anos, já encontrara um lugar no mundo literário. E, com o segundo, Amantes e Perdedores, esperava mantê-lo e progredir.

As críticas de Segredos do Passado tinham sido excelentes: Uma estreia excelente... Surgiu uma nova estrela literária... E, melhor ainda, fora conhecer as opiniões dos leitores. Afinal de contas, as pessoas escreviam para serem lidas e, em mais de uma ocasião, era não só um prazer, mas também uma experiência maravilhosa que alguém lhe dissesse que a leitura do seu livro a ajudara a superar uma crise pessoal.

Genevieve era uma perita em crises desse tipo.

O livro Segredos do Passado causara impacto suficiente para ter a crítica de uma revista conhecida, que o recomendava como «leitura magnífica». Que melhor afirmação podia ter tido? O êxito chegara no momento em que mais precisava.

O noivo, o homem a quem confiara a felicidade do seu futuro, caíra na pior das tentações: Ir para a cama com a sua meia-irmã, Carrie-Anne.

Carrie-Anne, que ia ser a sua dama de honor! E quando Mark e ela estavam prestes a casar! Durante um bom bocado, pensara que nunca o superaria e, cada vez que recordava aquele ato de traição, continuava a sentir uma dor no peito, para além de não conseguir apagar a imagem de ambos nus, na cama. Fizera com que perdesse algo, que acreditava não conseguir recuperar: A confiança no ser humano.

Mas já superara o pior momento. Escrever transformara-se num refúgio e aceitara que a dor e a desilusão eram uma parte essencial da vida. Se fosse mais desconfiada, teria percebido o potencial destrutivo da delicada e loira Carrie-Anne.

A desculpa que Mark lhe dera fora a gota de água: «Foi um momento de loucura, Gena. Eu amo-te, mas Carrie-Anne tenta sempre arrebatar-te o que tens e, em parte, foi culpa tua. Devias ter dedicado mais tempo a mim e menos ao teu livro!»

Que rica justificação! Sempre lhe dedicara tempo, mas o mimado e caprichoso Mark queria uma mulher como a mãe, que falava como uma personagem da época vitoriana e estava sempre atenta ao marido, e ao seu adorado filho único. Numa ocasião, a senhora Reed referira-se a isso como sendo «um sacrifício nobre».

A desculpa de Carrie-Anne, expressada com o seu lindo rosto contraído numa careta de remorso, fora: «A culpa é das hormonas. Sabes como são perigosas!» Ao que ela respondera com sarcasmo: «Da próxima vez atira-te para o vazio, se possível, sem paraquedas. E leva Mark contigo.»

Não havia desculpa possível para um comportamento tão desprezível.

 

 

O seu encontro com Maggie estava agendado para as três da tarde e ela era sempre pontual. Quando chegou, havia dois novos aspirantes à espera. Ir ao escritório de Maggie era semelhante a ir ao médico e as pessoas tinham de aceitar que teriam de esperar. Rhoda, a rececionista de Maggie, uma mulher corpulenta e inexpressiva, lançou-lhe tal olhar de desaprovação que qualquer um teria pensado que chegara atrasada ou que cometera o pecado mortal de aparecer sem marcação.

– Boa tarde, Rhoda! – cumprimentou Genevieve, exibindo um sorriso esplêndido.

Sem se incomodar em responder, Rhoda indicou-lhe que se sentasse. «É evidente que nunca ganhará o prémio de melhor rececionista», pensou Genevieve, que depois cumprimentar os dois principiantes se sentou do outro lado da sala, para tirar da mala o livro Segredos do Passado e voltar a observá-lo. Gostava da capa, em que se via uma mulher bonita, com a cabeça inclinada, por cima do seu pseudónimo, Michelle Laurent, que escolhera por ser o nome de solteira da avó paterna, de origem francesa.

Aparecia em letras grandes, por cima do título e a ilustração era tão atraente que o livro chamava a atenção. De facto, a caminho do escritório de Maggie, vira-o em diversas montras e a ocupar um lugar de destaque.

Escrevera Segredos do Passado de noite, quando ainda ensinava Línguas em Alma Mater, um colégio prestigioso para meninas. Desfrutara muito dos seus anos de ensino, depois de terminar a universidade, mas assim que alcançara o êxito literário, pudera dedicar-se, exclusivamente, à escrita. A ajuda da sua adorada Michelle fora essencial para que isso acontecesse.

Grandmère Michelle ensinara-lhe francês desde pequena, sempre lhe dera afeto, apoiara-a e incentivara-a. Infelizmente, morrera subitamente por causa de uma série de complicações depois de uma gripe, um pouco antes de Genevieve concluir o manuscrito de Segredos do Passado, para o qual os conselhos e recomendações de Michelle, como leitora, tinham sido fundamentais. Maggie dizia com frequência que Michelle era melhor editora do que ela, mas Maggie era considerada a melhor do mundo literário.

Quando a avó morrera, Genevieve decidira usar o seu nome como pseudónimo, a título de homenagem, portanto, os seus leitores conheciam-na como Michelle Laurent.

O pai deixara-a a cargo da avó, quando a mãe, Céline, morrera num acidente de viação, quando Genevieve tinha dez anos de idade. Tinham passado vários anos antes de o pai, desolado, se casar com Sable Carville, uma mulher divorciada da alta sociedade. Sable dera ao casamento não só o estilo e a fama, mas também a sua filha adorável, Carrie-Anne, que depressa adotou o apelido do seu novo pai, Grenville.

Portanto, tinham-se tornado as duas meninas Grenville. Genevieve era alta e desajeitada, com cabelo ruivo, indomável, e o rosto coberto de sardas e a outra, a linda Carrie-Anne, tinha um aspeto sempre perfeito graças à ajuda da mãe, que não mostrara o mesmo interesse em dedicar tempo a uma filha adotiva, que não encaixava na definição de «bonita».

Só o pai, um advogado de prestígio, intuíra que chegaria o dia em que o patinho feio se transformaria num cisne, na imagem da mãe.

 

 

Um jovem de cabelo denso e olhar intenso saiu do escritório de Maggie a abanar a cabeça, com um ar de incompreensão. A julgar pela mistura de aborrecimento e confusão que irradiava, era evidente que acabara de descobrir que, incompreensivelmente, o seu manuscrito valioso não fora escolhido para o prémio Booker. Maggie despediu-se dele à porta, com um encorajante:

– Não te dês por vencido, Colin – que parecia ser uma palmadinha nas costas e fez com que todos se rissem.

Maggie cumprimentou os dois homens com um gesto da mão e dedicou a Genevieve um sorriso amplo.

– Entra, Gena.

E ela seguiu-a.

O escritório de Maggie era espaçoso. Estava decorado em tons de bege e o centro era ocupado por um magnífico tapete oriental. A secretária era uma peça magnífica de mogno. À frente, havia duas poltronas de couro, num tom creme e, no outro lado da divisão, havia um canto com um sofá e várias poltronas em torno de uma mesa de vidro. Três das paredes estavam forradas por prateleiras repletas de livros encadernados em couro e com os títulos escritos a ouro.

O retrato de um homem com aspeto digno ocupava um lugar de destaque atrás de Maggie, como se pudesse olhar para ela por cima do ombro. As pessoas presumiam que se tratava de um retrato de família, mas depois de algumas bebidas, Maggie confessara a Genevieve, depois de a fazer jurar que não contaria a ninguém, que o comprara porque a fazia pensar em Richard Dale, o famoso jogador da Nova Zelândia, quando estava no seu melhor momento.

Maggie sentou-se atrás da secretária, que estava tão desordenada que Genevieve imaginou como é que ela conseguia trabalhar naquele caos. Genevieve sentou-se, deixando a mala aos seus pés e Maggie pôs os óculos, que não usava em público porque era muito coquete.

– Isto é uma bomba, Gene – afirmou, dando uma palmada no manuscrito volumoso. – Adorei lê-lo, tal como acontecerá com os teus leitores. É uma história fantástica, um grande romance, muito comovedor, com pensamentos subtis e reviravoltas muito engenhosas.

Genevieve sentiu que o seu coração acelerava de alegria.

– Fico feliz por teres gostado, Maggie. Sabes o quanto te devo.

– Talvez um pouco – admitiu Maggie. – Mas és uma escritora nata.

– A verdade é que escrevo desde que me lembro.

– É evidente – Maggie sorriu. Ao contrário de Rhoda, sorria constantemente. – E o que vais fazer agora?

Genevieve acomodou-se na poltrona.

– Acho que vou fazer uma pausa. Quero mudar de cenário. Talvez durante seis meses. Sabes que passei por um período infeliz. Primeiro, com a morte da minha avó e depois com o fim do meu noivado.

– Tiveste sorte em te livrares dele – suspirou Maggie, que nunca escondia a sua opinião. – Por muito bonito que fosse, era um traidor. Já para não mencionar Carrie-Anne! – concluiu Maggie, levantando as mãos.

– Já não importa, Maggie – disse Genevieve, embora uma dupla traição não se superasse com facilidade.

– Como te disse noutras ocasiões, livraste-te de boa. Imagina se tivesse sido infiel depois de estarem casados. Asseguro-te que sinto vontade de chorar. Os homens têm medo do êxito das mulheres, querida – confessou, pela enésima vez. – Sei isso, por experiência própria.

Maggie casara-se duas vezes e divorciara-se outras tantas. Naquele momento, olhava para Genevieve com uma expressão especulativa, enquanto cravava os dentes perfeitos, produto de uma ortodontia dispendiosa, no lábio inferior.

– Gostarias de ir para terras do interior, para mudar de cenário? – perguntou, como se assumisse que a resposta seria negativa. – Poderias alojar-te numa das quintas mais famosas de Channel Country, onde vivem alguns dos latifundiários mais proeminentes do país. Podia convidar outra pessoa, mas pensei que gostarias. Podias desfrutar de umas férias, carregar as pilhas e, possivelmente, encontrar inspiração.

Genevieve experimentou um dos seus golpes habituais de clarividência. Não sabia o que os causava, mas acabara por classificá-los como um sexto sentido.

– Estás a oferecer-me umas férias, Maggie? – perguntou, com uma calma que contradizia uma leve tensão no seu rosto.

Embora não lhe passasse desapercebida, Maggie fingiu não notar.

– Exatamente – e depois de uma pausa, acrescentou: – Se quiseres, claro. Para ti seria canja e trata-se de um lugar apaixonante.

– Vais contar-me de que se trata? – perguntou Genevieve, embora tivesse adivinhado a resposta. Herdara a capacidade visionária de Michelle.

– Claro, querida – Maggie baixou o olhar, para dar uns segundos a Gena. – Um dos membros da família Trevelyan, Hester Trevelyan, que foi suficientemente inteligente para não se casar, quer um escritor que a ajude a escrever a história da família. Tenciona começar no período colonial e talvez queira desenterrar o seu ilustre passado da Cornualha. Richard Trevelyan emigrou e assentou no sul da Austrália em meados de mil e oitocentos.

Genevieve fez um grande esforço para dominar a sua agitação.

– Eu sei. Depois do fecho das minas de cobre e estanho, na Cornualha, muitas famílias de mineiros emigraram para o Novo Mundo, em busca de uma nova vida. Ainda nos referimos à península de Yorke, no sul da Austrália, como «Pequena Cornualha».

– Exatamente! – exclamou Maggie. – Os Trevelyan da Cornualha possuíam minas de estanho e cobre, mas Richard Trevelyan era o último de vários irmãos e quis abrir caminho. Portanto, emigrou para a Austrália, para fundar uma dinastia. Pelos vistos, depressa se interessou mais pelo gado do que pelo minério, embora pense que a família conserva numerosos interesses na indústria mineira. Além de possuir terrenos, hotéis e linhas de transporte por ar, comboio e estrada. Neste momento, o herdeiro é Bret Trevelyan, sobrinho neto de Hester Trevelyan. Suponho que Bret é o diminutivo de Bretton. Sabemos que tem trinta anos e é um dos solteiros de ouro do país. Esteve noivo da filha de uma outra família de grandes latifundiários, os Rawleigh, mas vê-se que o romance fracassou. Os pais divorciaram-se quando era adolescente. Tudo indica que foi uma separação muito pouco amistosa. A mãe fugiu com um amigo da família. O pai, que nunca voltou a casar, morreu num acidente absurdo, na quinta. Segundo dizem, um convidado deu-lhe um tiro quando subia para uma cerca. Não conheço toda a história. Há um irmão mais novo, Derryl, e uma irmã, Romayne, que casou há dois anos com o herdeiro da naval Ormond, lembras-te deles? Todos os meios de comunicação social falaram do casamento.

– Lembro – disse Genevieve, num tom apagado. Sabia tudo sobre a família Trevelyan.

– A quinta é gigantesca. Situa-se no limite do deserto de Simpson – continuou Maggie. – Os aborígenes chamam-lhe Djangala, embora não saiba o que isso significa. Além disso, a família possui outras quintas de gado em Queensland, em Northen Territory e em Kimberley. Portanto, são milionários e estão muito orgulhosos da sua herança – Maggie recostou-se, ainda intrigada com a reação inicial de Gena, que estava tentada a definir como sendo de alarme. – A senhora Trevelyan tem perto de oitenta anos, mas goza de boa saúde.

Genevieve concentrou-se em respirar pausadamente, esperando não transmitir a confusão que sentia.

A primeira vez que ouvira falara dos Trevelyan fora numa conversa entre os avós, quando tinha doze anos, numa altura em que eles passaram alguns dias em sua casa, por causa do seu aniversário. Ia a entrar no quarto, para anunciar que o jantar estava pronto, quando ouvira a voz da avó e ficara paralisada. Mesmo quando era tão pequena, reconhecera nela uma angústia profunda, como se o episódio da sua vida, de que estava a falar, lhe tivesse causado uma tortura terrível.

Naquele dia, Genevieve descobrira que um passado remoto e doloroso podia reviver-se com a mesma intensidade no presente.

A avó contara um acontecimento da sua juventude, que lhe causara um trauma tão profundo que ainda o recordava vivamente. Genevieve ouvira sem querer, porque não teria conseguido mexer-se, por mais que tivesse tentado. Olhando pela fresta da porta, vira que a avó chorava desconsoladamente e a cena marcara-a para sempre.

Depois, não se atrevera a perguntar quem eram os Trevelyan e tivera de descobrir sozinha, anos mais tarde. Não tinha a menor intenção de contar a história a Maggie, porque sabia que não pararia de lhe fazer perguntas. Mas sabia que ia aceitar a oferta, porque nunca mais na sua vida apareceria uma oportunidade como aquela, para conhecer Hester Trevelyan.