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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1999 Helen Bianchin

© 2019 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Acordo matrimonial, n.º 540 - julho 2019

Título original: The Marriage Deal

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-1328-276-3

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

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Capítulo 1

 

 

 

 

 

– Corta – gritou o director. – Repitam a cena.

Aquelas eram as palavras mais doces que tinha ouvido o dia inteiro, pensou Sandrine Arnette, ao mesmo tempo que erguia o pesado saiote do vestido que usava.

Roupas de época não eram nada confortáveis, especialmente quando o conjunto incluía um espartilho apertado que erguia e lhe expunha os seios de uma maneira quase indecente.

Para além das luzes escaldantes do estúdio, um actor principal com pretenções de superioridade e um ego inchado, e um director que parecia ter vindo do inferno, compunham um resultado que fazia a expressão «Sofrer em nome da arte» mais pertinente do que nunca.

– Mais uma coisa, querida.

Saída dos lábios de Tony, a palavra querida não soava de modo carinhoso. Virando-se, ela encarou o director, que, apesar de talentoso, se comportava, às vezes, como um verdadeiro garanhão napolitano.

– Há um jantar em minha casa, às sete – os olhos negros não se desviaram dos dela. – Esteja lá – em seguida, ele dirigiu-se aos outros cinco actores presentes. – Todos vocês.

Sandrine conteve um suspiro. Tudo o que queria fazer era tomar um banho, trocar de roupa e voltar para a villa onde estava hospedada durante as filmagens para estudar o guião e as cenas que ia filmar no dia seguinte.

– Será que posso perguntar porquê? – indagou o actor principal com petulância.

– Dinheiro. É do que o filme precisa. E é o que o meu convidado tem – declarou o director de forma sucinta. – E se para o conseguir eu tiver que levar todo o elenco para o conhecer, é o que vou fazer.

– Mas… hoje à noite? – reiterou Sandrine, evitando encará-lo.

– Porquê? Há algum problema?

Mesmo contrariada, ela teve que encolher os ombros com resignação.

– Acho que não…

Tony virou-se para os outros.

– Mais alguma pergunta?

– Podia ter-nos avisado com maior antecedência – queixou-se o protagonista, arrependendo-se em seguida do tom ameaçador da própria voz.

– Infelizmente, não foi possível, uma vez que ele só chegou ontem – retorquiu o director, seco.

– Certo, certo… já percebi.

– Ainda bem – ele inclinou a cabeça, cínico, e então chamou, elevando a voz: – Contra-regra!

Sandrine suspirou aliviada.

Quinze minutos depois, ela já se tinha livrado das roupas incómodas e caminhava pelo estacionamento em direcção ao seu carro. Usava bermudas e uma T-shirt. Os cabelos compridos estavam presos por um gancho no alto da cabeça, devido ao calor.

Sandrine ligou o ar condicionado assim que ligou o motor e, instantes depois, o carro percorria a estrada em direcção ao sul.

Demorou cerca de dez minutos para chegar à villa, em Sanctuary Cove, uma das praias mais bonitas da Costa Dourada de Queensland. A decoração da casa era moderna e sofisticada. O chão revestido a mármore em tons variados e os móveis caros emprestavam ao lugar uma atmosfera luxuosa.

Sandrine subiu ao quarto para vestir um biquíni e depois atravessou as amplas portas de vidro que conduziam à piscina, passando pela varanda. Passou minutos preciosos na água, exercitando-se ao mesmo tempo que tentava relaxar. Precisava de aliviar a tensão, que se tornava cada vez maior nos últimos dias.

Em seguida, um banho frio ajudou-lhe a recuperar as energias. Saiu da casa de banho vestindo um robe de turco e abriu o guarda-roupa para escolher o que ia usar no jantar.

Um vestido preto básico foi a sua decisão final. Não que tivesse muita escolha, pois quando foi para a Austrália para filmar nos Estúdios Coomera, não tinha imaginado que fosse ter vida social. Levou roupas desportivas e simples, uma vez que ia passar a maior parte do tempo a trabalhar e, portanto, a usar as roupas adequadas à sua personagem, seleccionadas pela figurinista do estúdio. Aquele inesperado convite para jantar tinha-a apanhado desprevenida.

Por outro lado, a maioria das suas roupas estava espalhada entre três luxuosas residências, todas elas bem distantes do seu actual lar temporário…

Nem te atrevas a pensar naquelas casas, ou no homem com quem viveste nelas, disse Sandrine a si mesma, ao atirar o vestido para cima da cama.

Mesmo assim, a recordação das feições másculas invadiu-lhe a mente de uma maneira assustadora. Podia parecer estranho, mas era como se estivesse a ser observada naquele exacto momento pelos olhos cinzentos e brilhantes…

Michel Lanier. Um belo homem de trinta e cinco anos, dez mais que ela. Moreno, com olhos e cabelos escuros, era um empresário bem sucedido, patrono e amante das artes. Ao mesmo tempo que parecia um príncipe renascentista, com o seu porte elegante e rosto aristocrático, tinha a esperteza e agilidade de um guerreiro. Nascido em Paris, onde os seus pais ainda viviam, tinha estudado em França até se formar na universidade, e depois tinha-se mudado para os Estados Unidos para completar a sua pós-graduação.

O seu marido… seu amante… O homem que a tinha conquistado, que a tinha feito apaixonar-se e tornar-se sua esposa.

Os dois tinham-se conhecido numa festa, na casa de um amigo em comum, em Nova Iorque. Sandrine tinha acabado de realizar um dos seus trabalhos esporádicos como modelo e estava prestes a regressar a Sidney, onde iria protagonizar uma mini-série na principal rede de televisão australiana.

Quando embarcou no avião, estava acompanhada por Michel. Em menos de uma semana, ele tinha sido apresentado aos seus pais e, depois do anúncio do noivado, Sandrine teve de renegociar o seu contrato. O papel de protagonista tinha sido alterado… Os guionistas tiveram que trabalhar rapidamente e criar um «acidente», para «matar» a personagem e afastá-la da série. Dessa forma, assim que as cenas principais foram filmadas, Sandrine regressou com Michel aos Estados Unidos.

Dois meses depois, eles casaram-se, numa cerimónia íntima, apenas para os parentes mais chegados, e então passaram a dividir o seu tempo entre Nova Iorque e Paris. Michel tinha comprado um apartamento luxuoso em Double Bay, Sidney, com uma esplêndida vista para o mar. Seria útil terem uma base na Austrália, explicou ele.

Durante seis meses, foi tudo perfeito. Demasiado perfeito, pensou Sandrine, enquanto acabava de se vestir e se olhava ao espelho para se maquilhar.

Os problemas tinham começado três meses antes, quando os dois passavam duas semanas em Sidney e um amigo lhe entregou um guião para ler. A história era boa, mais do que isso, era óptima, e ela imediatamente se sentiu atraída por um dos papéis. Uma concepção nítida de como a personagem devia ser representada passou a dominar-lhe os pensamentos, impedindo-a de pensar em qualquer outra coisa.

Sandrine sabia que a agenda da produção não se ia encaixar com os compromissos de Michel na Europa, e sabia também que o marido nunca concordaria que ela passasse quatro semanas sozinha, a filmar na Austrália.

Apesar disso, tinha decidido fazer o teste; no fundo não acreditava que seria aprovada para o papel. Já nem pensava no assunto, uma semana depois, quando voltou com Michel para os Estados Unidos.

O telefonema do agente australiano a confirmar a sua participação no filme trouxe-lhe um misto de medo e excitação. As filmagens iam começar dentro de um mês, nos estúdios Coomera, em Queensland.

Ela assinou o contrato assim que o documento lhe chegou às mãos, mas não disse nada a Michel, temendo a sua reacção. À medida que os dias passavam, tornava-se cada vez mais difícil contar a verdade ao marido, e quando se deu conta, faltava apenas uma semana para o início das filmagens.

Ensaiou mentalmente o seu discurso uma centena de vezes, mas não conseguiu evitar a tão temida discussão. Depois da briga, inconformada e magoada com a intolerância de Michel, Sandrine atirou algumas roupas para dentro de uma mala e deixou o apartamento, hospedando-se num hotel até ao dia de embarcar no avião que a levaria a Brisbane.

Ela tentava consolar-se, dizendo a si mesma que quatro semanas passariam depressa, mas, no íntimo, temia que o estrago causado no seu casamento nunca pudesse ser reparado.

Para piorar as coisas, tudo parecia caminhar de forma errada, e a produção do filme tinha sofrido um atraso após o outro. O prazo estimado de quatro semanas logo se estendeu para cinco, e em seguida para seis. O orçamento já estava estourado quando as filmagens entraram na sétima semana. O calor tropical era sufocante, e o mau humor passou a ser uma constante, gerando desentendimentos cada vez mais frequentes entre o elenco.

Era o profundo sentido de profissionalismo de Sandrine que a ajudava a suportar a tensão a que estava a ser submetida.

Ela aproximou o rosto do espelho, prendeu o último gancho nos cabelos e, finalmente, agarrou na carteira e desceu.

A temperatura tinha baixado um pouco, e uma brisa marinha suave refrescava o ar quando ela entrou no hall do luxuoso edifício onde Tony morava.

Minutos depois, encontrava-se com os demais componentes do elenco, na espaçosa varanda com vista para o mar, bebericando uma bebida. Toda a equipa técnica também estava presente. Aparentemente, o único que ainda não tinha chegado era o convidado de honra.

– Sorria, querida. Está quase na hora do «show», e todos nós devemos parecer radiantemente felizes – sussurrou-lhe uma voz grave ao ouvido.

Sandrine virou-se devagar para encarar o actor principal do filme, Gregor Anders. Era um homem bonito, mas como sempre acontecia com os actores, nunca se sabia ao certo quando estava ou não a representar.

– Gregor – Sandrine saudou-o friamente. – Tenho a certeza de que vai conseguir parecer suficientemente feliz pelos dois.

Era impossível negar o talento dele como actor. Quanto à sua personalidade… bem, isso era outro assunto. De qualquer forma, ele fazia sucesso entre o público feminino, com o seu rosto másculo e escultural, corpo atlético e sex-appeal.

– Ora, ora, querida – provocou ele, com um sorriso irónico. – Temos que trabalhar como uma equipa, n’est-ce pas?

– Apenas diante das câmaras, querido – lembrou-lhe Sandrine com suavidade, permanecendo imóvel quando ele levantou a mão e a acariciou no braço com o dedo indicador.

– Mas é muito mais fácil se exercitarmos as emoções das personagens nos bastidores, não concorda?

Os olhos dela fixaram-se nos dele.

– Não.

– Porque é que não relaxa? – murmurou Gregor, sem perder o charme.

– Como já disse, eu represento em frente às câmaras. Fora do set, prefiro viver a realidade e ser eu mesma.

– Quanta austeridade! – replicou ele. – Olhe, não se arrependa depois…

– Oh, por favor, Gregor! – protestou Sandrine. – Não desperdice o seu tempo comigo. Deve haver pelo menos meia dúzia de figurantes ansiosas por receber a sua atenção.

– E você… nunca sonhou com as atenções de um homem, Sandrine?

Ela suspirou, exasperada.

– Pode dar-me licença? – ergueu o copo vazio e dirigiu-se rapidamente para o bar, localizado na sala de estar.

– Onde é que, afinal, está esse convidado misterioso? – perguntou uma voz feminina com enfado assim que Sandrine se serviu de sumo de laranja. Mesmo sem a ver, era fácil concluir que se tratava da jovem protagonista do filme.

– Talvez ele esteja a planear uma entrada triunfal – sugeriu.

– Isso é uma prerrogativa feminina, doçura.

O sorriso da rapariga era artificial, bem como o seu tom de voz. Cait London tinha adquirido recentemente o estatuto de estrela e parecia disposta a não deixar que se esquecessem disso. Principalmente quando falava com uma mera actriz coadjuvante, pensou Sandrine.

– Ninguém sabe quem ele é – continuou Cait. – Um empresário bem sucedido, disse Tony – os grandes olhos azuis da jovem iluminaram-se. – E rico, claro. Se não for demasiado feio e tiver menos de sessenta anos, até que pode ser interessante…

– E solteiro – lembrou Sandrine, recebendo um riso melodioso como resposta.

– Querida, que diferença faz?

Era óbvio que para Cait não fazia nenhuma.

Minutos mais tarde, Sandrine detectou uma súbita alteração no rumor do ambiente, o que a fez erguer a cabeça de imediato.

Então o homem tinha finalmente chegado… e com meia hora de atraso.

O sexto sentido fê-la ficar alerta, e logo em seguida um soluço apreensivo escapou-lhe dos lábios.

– Minha nossa! – sussurrou Cait a seu lado.

Um arrepio percorreu a espinha de Sandrine, causando uma espécie de choque eléctrico. Havia apenas um homem capaz de lhe provocar aquela reacção.

O seu olhar fixou-se na figura alta e máscula, reconhecendo cada detalhe daquele corpo. Subitamente, sentiu-se hipnotizada pelo incrível magnetismo que sempre fizera o seu coração disparar e que, aparentemente, não tinha diminuído nada nas últimas sete semanas.

Sandrine observou a entrada de Michel, que fez uma pausa ao cumprimentar as pessoas e olhou na sua direcção, como se também pressentisse a sua presença. Os olhos cinzentos e profundos fixaram-se nos dela com uma intensidade impressionante, mas não havia nenhum traço amistoso neles.

Foi como se o tempo parasse para Sandrine. Todas as imagens em seu redor se tornaram embaciadas, e ela apenas via Michel. Como na primeira vez em que o viu, sentiu a química inegável que a atraía, como um grito primitivo, um passe de magia.

E então ele sorriu, transportando-a no tempo para o primeiro encontro dos dois. Tinham-se conhecido numa situação quase idêntica àquela, trocando olhares da mesma forma como faziam naquele instante. Mas isso, Sandrine fez questão de se lembrar, fazia parte do passado…

Linguagem corporal. A profissão de Sandrine capacitava-a a compreender a linguagem do corpo, a reconhecer as motivações de uma pessoa escondidas por detrás dos menores gestos.

Perguntou-se se as outras pessoas presentes eram capazes de perceber a raiva latente que Michel ocultava atrás da aparência impassível. Os traços aristocráticos do rosto másculo pareciam expressar uma emoção quase selvagem… letal.

Sandrine observou, fascinada e trémula, quando ele pediu licença às pessoas que o abordavam e começou a cruzar a sala, em direcção à varanda.

O corte impecável do fato deixava entrever com nitidez a massa definida de músculos; cada movimento possuía a graça felina de um predador.

O coração de Sandrine acelerou-se ainda mais, assustando-a. Cada nervo do seu corpo se retesou. Não era capaz de pensar sequer numa palavra para dizer. Nas circunstâncias, um simples «Olá, como estás?» parecia-lhe extremamente banal.

Entretanto, Sandrine não teve hipóteses de falar, pois, assim que se aproximou, Michel tomou-a nos braços e beijou-a com uma paixão estonteante.

O que mais a surpreendeu, porém, foi a sua própria reacção. No mesmo instante, como se não respondessem ao comando do seu cérebro, os seus lábios entreabriram-se para retribuir o beijo. Naquele momento de êxtase, ambos pareciam indiferentes aos olhares atónitos dos convidados.

Quando Michel ergueu o rosto, Sandrine não conseguiu mover-se. Pouco a pouco, porém, a música de fundo e o som indistinto das vozes em seu redor trouxeram-na de volta à realidade.

Santo Deus… Quanto tempo é que tinham ficado abraçados daquela maneira? Um minuto? Dois? Mais?

Michel só precisava de lhe tocar para a deixar em chamas! Naquelas sete semanas a intensidade da sua paixão não tinha diminuído.

E o que é que ela esperava? Aquele homem dominava os seus sonhos desde a noite da separação, impedindo-a de dormir, alimentar-se e trabalhar como deve de ser.

– O que estás aqui a fazer?

Sandrine estranhou o tom da própria voz. Parecia tão calma, apesar do turbilhão de emoções que a acometia.

– Concluí os meus negócios na Europa.

Ele teve que comparecer a reuniões importantes, cumprir pessoalmente compromissos cuja responsabilidade não podia delegar a ninguém. Que desculpa teria dado à família para explicar a ausência dela em Paris? O que estariam a pensar naquele momento o seu irmão mais velho, Raoul, e a sua querida avó?

Sandrine sentiu uma ponta de remorsos ao lembrar-se da simpática velhinha, que, embora gentil e afável, exercia um poder matriarcal sobre a família Lanier.

– Não foi isso que eu perguntei – Sandrine esforçou-se por manter o tom de voz educado.

– Não respondeste a nenhum dos recados que deixei no teu atendedor de chamadas.

As mensagens… Que tormento tinha sido para ela ouvir a voz de Michel naquele maldito aparelho dia após dia, e não ter respondido!

– E porque é que eu devia responder? Pensei que tivéssemos dito tudo o que havia para ser dito.

– Nada pode ser bem resolvido quando as emoções estão à flor da pele.

O que significava aquilo? Que ele a tinha deixado partir na certeza de que com o tempo ela reflectiria melhor e voltaria? Quantas noites Sandrine passou a lutar contra essa ideia? Tentando combater o desejo de voltar para os braços de Michel? Somente o orgulho e uma firme determinação a tinham impedido de fazer tal coisa. Isso e, claro, a necessidade de cumprir o contrato e acabar o filme.

– Ainda não me explicaste porque é que foste convidado para esta festa… Ou será que simplesmente resolveste aparecer e arrastares-me de volta para casa, agora que os teus compromissos na Europa terminaram?

O tom beligerante das palavras dela não passou despercebido a Michel, cujos lábios se curvaram num sorriso cínico.

– Erraste.

A raiva de Sandrine era maior que o seu medo.

– Queres o divórcio.

Algo mudou no olhar dele, mas a sua expressão manteve-se impassível.

– Ninguém se divorciou na família Lanier nos últimos trezentos anos.

– Estás a querer dizer que não sei quantas mulheres sofreram ao longo dos séculos nas mãos de tipos arrogantes e insuportáveis como tu, sem se queixarem?

– Fossem quais fossem as queixas das minhas ancestrais, elas devem ter sido rápidas… – Michel fez uma pausa significativa, – e agradavelmente calmas.

Sandrine entendeu a insinuação e irritou-se ainda mais.

– Sexo não é a solução para tudo, Michel.

– Prefiro o termo «fazer amor».

Havia uma diferença. Céus, e que diferença! Bastava pensar no corpo forte de Michel sobre o seu e começava a experimentar uma sensação febril, estranha e incontrolável.

Amaldiçoou-se ao sentir que enrubescia. E amaldiçoou mais ainda Michel, pelo sorriso irónico que lhe curvou os cantos dos lábios.

– Ainda não respondeste à minha pergunta.

– Que pergunta?

– O que é que estás aqui a fazer?

Ele semicerrou os olhos, lânguido.

– Sou o convidado de honra, chérie.

– O quê?! Então és tu o empresário misterioso que vai financiar o filme?

Michel confirmou, inclinando ligeiramente a cabeça.

– Por um preço, claro – emendou após um breve e tenso silêncio.

O estômago de Sandrine contraiu-se de expectativa.

– Que… preço?

– Uma reconciliação – declarou ele, sucinto, directo e inflexível.

Céus… Sandrine começou a sentir a cabeça a rodar. Sem saber de onde, reuniu forças para o enfrentar.

– Uma certidão de casamento não me transforma em tua propriedade.

O olhar de Michel fixou-se nas feições pálidas dela. Agora a sua expressão demonstrava com clareza uma fúria contida.

Ela estava ciente dos olhares curiosos que o comportamento impulsivo dele tinha gerado. Cait London, que observava os dois calada, examinava-os friamente a uma curta distância.

O casamento deles não tinha sido manchete de nenhuma coluna social importante. Com toda a certeza, ninguém ali conhecia a identidade do convidado de honra, e muito menos a sua ligação com uma simples actriz coadjuvante.

– Não creio que seja a hora nem o lugar para discutirmos esse assunto.

O sorriso de Michel era inexpressivo, sem um traço sequer de bom humor. Na verdade, parecia entediado.

– Nada de discussão, nada de negociação. Apenas um simples sim ou não.

Simples? Como é que ele podia encarar aquilo como uma situação simples?

– Não podes impor esse tipo de condição.

– Queres apostar?

– Estás a chantagear-me, Michel?

Os ombros dele encolheram-se imperceptivelmente.

– Chama-lhe como quiseres.

– E se eu recusar? – perguntou Sandrine valentemente.

Por um breve instante, o olhar dele tornou-se ameaçador.

– Vou-me embora daqui.

Porque é que Sandrine se sentia como se estivesse na beira de um precipício? Sem desviar o olhar do rosto másculo, respirou fundo e conteve um suspiro.

– Não é justo o que estás a fazer. Não estás a jogar limpo.

A expressão dele manteve-se inalterada.

– Não se trata de um jogo.

Não, não se tratava. Mesmo assim, Sandrine detestava vê-lo usar tácticas tão manipuladoras. Olhou para ele, desamparada, enquanto ele repetia a pergunta:

– Sim ou não?