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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2001 Candace Schuler

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Apenas negócios, n.º 7 - Avril 2014

Título original: Uninhibited

Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Publicado em português em 2003

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Paixão e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5166-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

1

 

Reed Sullivan subia a larga escadaria da mansão da sua bisavó em Beacon Hill quase com a mesma emoção que da primeira vez em que a idosa o convidou para um chá.

Aquele ritual semanal começou por ser uma aprendizagem de boas maneiras, um prolongamento do seu suplício das quartas-feiras à tarde na Academia de Baile para Jovens, Damas e Cavalheiros da menina Margaret. Aos oito anos, Moira Sullivan pareceu-lhe uma senhora muito idosa, com o seu cabelo branco como a neve apanhado num carrapito, e os seus fatos elegantes Chanel. No início, mostrou-se envergonhado e desconfortável, dolorosamente consciente de que esperavam que fizesse gala das suas melhores maneiras, e ansioso para que aquele tormento acabasse o quanto antes.

A primeira vez que o convidou para tomar chá, a bisavó animou-o gentilmente a encher-se de bolos, sem reparar que isso lhe arruinaria o jantar, e durante todo o tempo que durou a visita, não deixou de o acalentar para se libertar da vergonha que sentia nas aulas de dança, quando tinha de abraçar uma rapariga para dançar uma valsa em frente aos seus amigos brincalhões. Depois, levantou um canto da tapeçaria de Aubusson que cobria o reluzente chão da sala, apoiou os joelhos numa pequena almofada bordada, e jogou uma renhida partida de berlindes, na qual Reed perdeu o seu precioso berlinde da Índia, que tinha trocado por duas bolas americanas e um berlinde transparente azul.

Desde então, as visitas à bisavó tornaram-se não só no acontecimento da semana, como também numa ocasião esperada com ansiedade, embora fosse apenas por lhe darem a oportunidade de recuperar o seu berlinde da Índia. Inclusivamente, durante a adolescência, quando as raparigas e os carros eram o centro da sua existência, e os berlindes passaram a ocupar um canto remoto da sua mente, Reed continuou a ter tempo para visitar a bisavó.

Nos quase vinte anos que entretanto passaram, apesar da sua estadia em Harvard, onde se licenciou em Direito e se doutorou em Gestão de Empresas, dos longos dias de trabalho como advogado na empresa familiar e dos dias ainda mais compridos com que se deparava no cargo de responsabilidade que tinha no presente, e de todas as suas paixões juvenis, dos amores discretos e do escândalo público que levou à rotura do seu noivado, Reed sempre cumpriu com aquela praxe semanal. Tomar um chá e conversar com a bisavó, continuava a ser um dos prazeres mais gratos da semana.

Talvez formassem um par estranho, a sobrevivente mais velha dos Sullivan e o trintão da família, mas embora algumas gerações os separassem, pois tinham quase setenta anos de diferença, entendiam-se instintivamente, o que não tinha nada a ver com a experiência, nem com a idade.

Quando estava sentado no salão de Moira Sullivan, tomando um chá e trocando mexericos, Reed não era o vice-presidente dos investimentos internacionais, nem presidente de nenhum comité de cúpula, nem o herdeiro da vasta fortuna e das responsabilidades do império empresarial dos Sullivan, era apenas o bisneto favorito de Moira e não havia nada que não fosse capaz de fazer pela sua amada bisavó.

Ou quase nada, porque, ultimamente, Moira parecia empenhada em pôr à prova os limites da sua paciência e do seu afecto.

Ou pelo menos da sua paciência, pensou Reed, acariciando o suave berlinde da Índia que levava no bolso das calças do seu fato leve de lã azul, porque o afecto que sentia pela bisavó não tinha limites.

Dando um suspiro, tirou a mão do bolso e tocou à campainha da mansão de Moira Sullivan e a porta abriu-se antes do ar fresco de Setembro levar o som da campainha.

– Boa tarde, Eddie – disse Reed, passando a pasta e o saco de desporto ao jovem roliço que respondeu ao seu toque.

– Hoje está sozinha?

Eddie sorriu e abanou a cabeça.

– Há uma ruiva deliciosa com ela – Reed soltou um grunhido. – Espere para a ver primeiro, antes de começar a queixar-se, homem – aconselhou Eddie, enquanto lhe despia o sobretudo de pêlo de camelo, antes de Reed o conseguir fazer sozinho. – É muito melhor do que as três últimas, não tenha dúvidas.

Reed franziu o sobrolho, e sentindo uma sensação incómoda, levou a mão distraído ao pequeno penso que tinha numa das sobrancelhas, como se quisesse ter a certeza de que ainda lá estava.

– Melhor em que sentido? – perguntou?

Eddie sorriu maliciosamente.

– Tem uns olhos castanhos enormes, uma boca suave e sensual, um cabelo encaracolado e selvagem até meio das costas e um corpo de cortar a respiração, além disso tem estilo, está vestida de uma forma muito graciosa.

– Graciosa?

– Uma mistura de Annie Hall e Pamela Anderson – disse Eddie por cima do ombro, enquanto punha o sobretudo no armário do vestíbulo e colocava por baixo, cuidadosamente, o saco de desporto e a pasta.

– Annie Hall e... – Reed estremeceu só de pensar nisso, porque o seu gosto inclinava-se mais para a sofisticação de Grace Kelly, fresca, elegante e discreta, era esse o seu género de mulher. As mulherzinhas mal vestidas e desgrenhadas não eram para ele, por muito que as recomendassem.

– Pamela Anderson – disse Eddie alegremente, segurando com os seus dedos gordos no puxador de bronze lavrado da porta dupla que dava para o salão. – Tu sabes, a loira das mamas prodigiosas – abriu as portas com uma reverência – O senhor Sullivan chegou, senhora – disse, levantando a voz e inclinando-se ligeiramente para a sua patroa, tão direito e formal como se nunca tivesse pronunciado a palavra «mamas», e nem sequer soubesse o que isso significava.

As duas mulheres sentadas no canapé vitoriano de brocado azul claro levantaram os olhos na expectativa. Moira tinha quase o mesmo aspecto que tinha quando tomou com ela o primeiro chá, há vinte anos atrás. Tinha um dos seus elegantes fatos de fim de tarde, dum tom violeta que favorecia muito o tom pálido da sua pele e do seu suave cabelo branco. Três fiadas de pérolas brancas enfeitavam-lhe o pescoço, uma grande safira azul e quadrada, reluzia-lhe na mão direita, a condizer com a impressionante aliança de safiras e de diamantes que reluzia na esquerda. Mas foram os olhos dela que chamaram a atenção de Reed, mais azuis ainda que as safiras, como sempre cheios de calor e de afecto, mas nas suas profundezas brilhava uma estranha centelha de emoção.

– Olá, avó – disse Reed cauteloso, pousando o olhar na jovem sentada junto da sua elegante, idosa e sagaz bisavó.

Os olhos da ruiva eram tão grandes e castanhos como Eddie lhe dissera, uns olhos enormes, com pesadas pestanas, que reluziam por baixo de umas espessas e arqueadas sobrancelhas de um tom avermelhado. O cabelo, uma massa frondosa de caracóis vermelhos, caía-lhe muito abaixo dos ombros. As suas roupas eram uma mistura variada de tecidos e de cores, e parecia mais uma cigana do que uma mulherzinha, pensou Reed quando olhou para ela.

A jovem tinha uma suave camisa branca de fraque, com a gola levantada e um intricado pregador celta na garganta. Das orelhas, brilhando através dos espessos caracóis, pendiam uns curiosos brincos de metal lavrado e pedras de cores. Vestia umas calças de veludo verde-escuro, metidas dentro de umas botas de meia cana de antílope púrpura. Um xaile de profundos e ricos tons dourados, castanhos e violetas, caía-lhe pelos ombros até ao canapé de brocado, espalhando as suas vaporosas franjas pelo chão.

Reed não podia dizer nada sobre o corpo de cortar a respiração, de que Eddie falou, porque o xaile e uma mala enorme de tapeçaria que tinha aberta no colo, impediam-no de ver, mas a boca dela era... Bom, suave e sensual era dizer pouco, pensou depois de um momento de absorta contemplação.

Aquela mulher tinha uns lábios carnudos e maravilhosamente esculpidos, tão vermelhos, brilhantes e húmidos, como se tivesse acabado de comer um morango, uma dessas bocas que foram feitas para beijos apaixonados e promessas arquejadas na penumbra, sobre almofadões de seda, não a boca de um mulherão, mas sim a de uma cigana.

E ele não saía com ciganas, por muito bonitas e perturbadoras que fossem, da mesma forma que não saía com mulherzinhas. Ele saía com mulheres educadas, formais, convencionais e de boas famílias, o género de mulher com que os homens da sua família saíam e casavam há gerações, e a quem pertenciam, ponto por ponto, as três que conheceu no salão de Moira nos últimos três meses, definitivamente, mulheres como a jovem com quem esteve comprometido há alguns anos.

Afinal, a noiva não era tão convencional como ele acreditava, e depois de cinco anos de noivado deixou-o, mais ou menos plantado no altar, e foi para Nova Orleães. Foi trabalhar no bazar de uma amiga, enquanto decidia se realmente queria ou não casar, e, finalmente, decidiu que sim, mas com um cabeleireiro, em vez de ser com o ilustre Reed Sullivan.

No entanto, manteve a postura perante a adversidade, como os Sullivan faziam sempre, mas, na realidade, foi um golpe bastante duro, pelo menos para o seu orgulho, e para dizer a verdade, quando lhe passou a comoção, percebeu que apenas foi molestado o seu orgulho, e que o seu coração continuava impassível. Quando olhava para trás, percebia que Katherine fez bem em fugir dele, porque o que sentia por ela, ou o que sentiam um pelo outro, era simplesmente uma velha amizade, à qual se juntou o desejo de satisfazerem as expectativas das famílias. Reed continuava a tentar colmatar as expectativas da família e as dele próprio também, de vez em quando.

O que raios tramava a sua bisavó? Claro que não podia estar a fazer de alcoviteira com aquela mulher, ou estava?

– Trago já o chá, senhora? – perguntou Eddie, tirando Reed das suas divagações.

– Sim, por favor, Eddie – uma suave réstia irlandesa enaltecia a voz de Moira Sullivan, acrescentando uma pitada de picardia ao seu sotaque de Bóston classe alta. – E lembra a senhora Wheaton para pôr biscoitos na bandeja, está bem? – lançou à jovem sentada a seu lado um sorriso quente. – Prometi à nossa convidada um chá tradicional com biscoitos, natas batidas e doce de morango.

– Sim, senhora – Eddie fez outra reverência e saiu do salão, fechando as portas atrás dele.

Moira estendeu uma mão até ao seu bisneto.

– Reed, querido – disse, com a voz transbordante de prazer. – Anda conhecer a minha nova amiga. Esta é Zoe Moon – Lançou um sorriso afectuoso à jovem. – Menina Zoe Moon – acrescentou, sorrindo como uma mãe que mostra orgulhosa a sua filha recém-nascida.

Reed deixou escapar um suspiro, não havia dúvida, por muito rocambolesco que pudesse parecer, a avó estava a apresentar-lhe uma nova candidata ao lugar de senhora Reed Sullivan IV. Já tinham passado quase três anos sobre o seu casamento frustrado, e era evidente que a sua idosa bisavó não desejava vê-lo percorrer de novo o caminho para o altar. Ao fim ao cabo, Reed ia fazer trinta e quatro anos proximamente e, nenhum Sullivan na história documentada, ultrapassou a barreira dos trinta sem estar casado, e ele ultrapassou essa barreira e continuava solteiro; parecia-lhes pouco conveniente e suspeito, aos membros mais conservadores da família, que eram quase todos.

Reed compôs um sorriso educado, atravessou o tapete e pegou na mão que a avó lhe estendia, resignado a suportar durante as duas horas seguintes, com toda a graça e encanto que pudesse reunir, a incansável intrepidez da alcovitice da idosa.

– Como é que estás, querida? – disse, baixando-se para beijar Moira na face, depois, fez uma inclinação de cabeça em direcção à jovem sentada ao lado da bisavó, e endireitou-se. – Menina Moon.

– Trata-me por Zoe, por favor – disse ela, estendendo-lhe a mão.

Quando se inclinou para a apertar, Reed sentiu o perfume de violetas, especialmente doce e antiquado, e a mão da jovem pareceu-lhe fresca e pequena, de dedos compridos e finos, delicada, mas não frágil. Tinha as unhas pintadas de um reluzente acobreado e, no pulso, várias argolas estreitas, de metais diversos, com pedras de cores como as que brilhavam nas orelhas.

Reed teve uma fugaz e perturbadora visão daquelas belas e ondulantes mãos sobre as suas costas despidas, daquelas unhas reluzentes cravadas nos seus músculos, enquanto a jovem se arqueava debaixo dele suplicando mais, e retirou a mão.

– Reed Sullivan – murmurou amavelmente, perguntando-se se aquela mulher não estaria disposta a aceitar outra coisa que não fosse o deleite do casamento, que a avó estava empenhada em oferecer-lhe.

– É um prazer conhecê-lo finalmente – a voz de Zoe Moon era gutural e melodiosa, tão sedutora como o resto. O seu olhar quando lhe sorriu foi amigável, curioso e levemente especulativo, como se o estivesse a avaliar mentalmente.

«Como possível marido, sem dúvida», pensou ele com cinismo.

– Moira falou-me muito de ti – disse Zoe Moon.

– A sério? – ele lançou um olhar divertido à bisavó e sentou-se num cadeirão de orelhas que havia em frente do canapé. Uma mesinha baixa, que tinha sobre a lustrosa superfície um jarrão de cristal com um ramo de pequenos crisântemos amarelos, ocupava o espaço entre o cadeirão e o canapé. – A mim, nunca me falou de si.

– Isso é porque Zoe e eu nos conhecemos na passada segunda-feira – informou-o Moira.

«Boa, fantástico, agora põe desconhecidas a desfilar diante do meu nariz!».

– Zoe é empresária – acrescentou a bisavó.

– A sério? – murmurou Reed num tom sério, mas isento de simpatia. – Em que ramo?

– Cosméticos – disse Moira, antes de Zoe poder responder. Apontou para a mesa que havia entre eles. – Estava agora a mostrar-me alguns dos seus maravilhosos produtos.

Reed olhou para a mesa e, meio escondidos atrás do ramo de crisântemos, havia vários frascos e potes pequenos, um dos quais estava aberto e espalhava no ar um leve e fresco aroma a flores e ervas aromáticas.

Reed sentiu aquela fragrância quando entrou no salão, mas não reparou nela, dando por assente que procedia das taças de cristal com flores secas que Moira tinha sempre espalhadas pela casa.

No canapé, junto da idosa, havia duas caixas de sapatos que Reed não vira até esse momento, e no chão, entre os pés de ambas, havia um saco de plástico de um grande armazém. Ou a menina Moon, antes de ir visitar Moira, passou pela rua Newbury, ou carregava com as suas mercadorias como uma vendedora ambulante. Fosse como fosse, alguém devia dizer-lhe que aquilo lhe dava um aspecto muito pouco profissional.

– Então a menina Moon é... o quê? – franziu o sobrolho, ignorando a dor que lhe provocou o penso nos pêlos da sobrancelha. – Uma representante da Avon?

– Não, não é da Avon. É empresária – Moira acentuou a palavra como se Reed não a tivesse percebido da primeira vez. – Não vende cosméticos de outras pessoas, vende os seus próprios cosméticos.

– Bom, não são propriamente cosméticos – disse Zoe Moon com um sorriso. – São só loções, óleos corporais e ambientadores, pelo menos até agora.

– Oh, não os menosprezes, querida – objectou Moira, tirando da mesa uma garrafinha de vidro opaco verde, e na etiqueta, numa elegante caligrafia e sobre o desenho de uma pálida Lua Crescente, liam-se as palavras Lua Nova. – É Zoe quem os faz, na sua cozinha, usando só os ingredientes mais puros e naturais. – Moira girou a rolha e estendeu-a a Reed. – Cheira isto – ordenou-lhe. – É a loção de mãos mais delicada que alguma vez usei, torna a pele tão suave como água.

Zoe estendeu a mão e interceptou a garrafa antes de Reed conseguir esticar o braço para a alcançar.

– Tenho a certeza de que o senhor Sullivan... – lançou-lhe um olhar de soslaio quando disse o nome dele e, tanto pela sua expressão como pelo seu tom, Reed percebeu que notara a insistência dele num tratamento formal... e que ainda por cima isso a divertia...! – não vai querer regressar ao escritório a cheirar como um jardim cheio de flores.

Meio surpreendido, meio incomodado com a atitude dela, Reed viu que fechava a garrafa e a pousava na mesa. Ele, que era um dos solteiros mais ricos e mais desejados de Bóston, estava habituado a receber um tratamento respeitoso, às vezes temeroso, por parte do sexo oposto. As mulheres não costumavam rir-se dele, nem sequer para dentro.

– Oh, Reed hoje já não volta ao escritório, pois não, querido? – disse Moira, aparentemente alheia ao jogo que os seus convidados entabulavam.

Aliás, o que era muito estranho, pensou Reed, porque apesar da sua avançada idade, a sua bisavó prezava-se de saber tudo o que se passava exactamente a cada momento.

– Depois do chá, vai sempre jogar râguebi – Moira lançou um sorriso na direcção do bisneto sem afastar os olhos de Zoe. – Tenho a certeza de que não se importa com o cheiro.

Zoe Moon voltou a cravar os olhos em Reed, fixando-se no penso do sobrolho, na largura dos ombros e no comprimento das pernas, como se estivesse a avaliar a capacidade dele de praticar esse desporto... ou qualquer outra coisa. Reed precisou de uma grande força de vontade para não começar a tremer como um adolescente inexperiente, debaixo daquele olhar franco e descarado, e quando ela voltou a olhá-lo no rosto, conseguiu suster-lhe o olhar com uma expressão despreocupada e uma sobrancelha levantada com elegância, como se fosse a personificação da circunspecção viril.

Ela nem sequer corou quando foi surpreendida a observá-lo com semelhante descaramento, limitou-se a sorrir e a afastar o olhar, voltando a concentrar-se na sua anfitriã.

– Não me parece que os colegas de equipa gostem de cheirar a lavanda no meio de um... – o olhar dela voltou-se de novo para Reed. – Como é que se chama o abraço em grupo a meio do jogo?

Reed franziu o sobrolho quando percebeu o tom de brincadeira. Definitivamente, estava a rir-se dele!

– Um mêlée – grunhiu entre dentes, irritado.

– Um mêlée, obrigada – assentiu com a cabeça, sorrindo, e voltou a olhar para Moira.

Reed franziu ainda mais o sobrolho.

Se aquela mulher aspirava a tornar-se numa candidata ao lugar de senhora Reed Sullivan IV, estava a fazê-lo da pior maneira possível, claro que de qualquer maneira não tinha a mínima hipótese, e não que alguém a tivesse, mas mesmo assim... Será que não sabia que presidentes de bancos e executivos de grandes companhias começavam a tremer quando Reed Sullivan franzia o sobrolho?

– Não creio que os colegas dele queiram cheirar a lavanda a meio de um mêlée – disse Zoe a Moira, completamente alheia à crescente irritação de Reed. – Faria uma estranha mistura com o cheiro a sangue fresco e a suor varonil.

– Bom... pode ser que tenhas razão – disse Moira, que também parecia ter notado o aborrecimento de Reed. – Mas, mesmo assim, é importante familiarizar-se com os produtos, não achas?

– Podia dar uma vista de olhos às fórmulas.

– Sim, claro. É uma esplêndida ideia – Moira pegou numa das caixas de sapatos que estava sobre o canapé, tirou a tampa e começou a rebuscar no seu interior.

Reed reparou, irritado, que não continha nem sapatos nem cosméticos, mas sim papéis desordenados; montes de papéis espalhados sem ordem numa caixa.

– Onde está? – murmurou Moira para si própria. Tive na mão o da loção nem há dez minutos...

– Porque demó... – Reed interrompeu-se antes de pronunciar aquela blasfémia em frente à sua bisavó – Pode saber-se porque é que eu quero ver a fórmula dessa loção de mãos? – perguntou. – Naturalmente que lhe darei uma vista de olhos, se quiseres – corrigiu, quando viu Moira a olhar para ele com uma sobrancelha arqueada, num gesto que detonava o parentesco deles com maior evidência que o azul brilhante dos olhos de ambos, – mas para que queres que...?

As portas do salão abriram-se.

– O chá, senhora – Eddie entrou com o carrinho de chá.

– Oh, óptimo – Moira sorriu ao seu mordomo. – Tenho a certeza que estamos todos sedentos graças a esta conversa de negócios.

– Negócios? – disse Reed. Teria perdido alguma coisa? – Que negó...?

– Põe aqui, por favor, Eddie – Moira apontou para um sítio em frente à chaminé Adams, a meio caminho entre o extremo do canapé que Zoe ocupava e o cadeirão de orelhas no qual estava sentado Reed. – Não te incomodes, Eddie – disse ao mordomo, quando ele se dispunha a servir o chá. – Hoje servimo-nos nós.

– Muito bem, senhora – Eddie saiu do salão fazendo uma leve reverência.

Moira apontou para o carrinho de chá.

– Zoe, querida, queres servir o chá, por favor? Temo que hoje os meus pulsos não consigam aguentar o peso do bule.

– Sim, claro, fico encantada – Zoe pousou o saco de pano no chão e tirou o xaile dos ombros quando se levantou.

A pergunta que Reed se dispunha a fazer à tia, sobre a suposta debilidade dos seus pulsos, morreu na sua língua devido a uma súbita e completa falta de saliva.

Um corpo de cortar a respiração, efectivamente.

Zoe Moon tinha a constituição física de uma deusa... de uma amazona... da rapariga da Playboy do ano... ou da década!

Toda ela era proeminências tentadoras e curvas voluptuosas: uns peitos redondos e erguidos que enchiam de uma forma luxuriante a blusa, uma cintura fina e inverosímil marcada por um cinto estreito de couro dourado, umas ancas suavemente torneadas e umas coxas esbeltas que a carícia do veludo verde-escuro fazia sobressair de uma forma encantadora.

Qual foi a palavra que Eddie usou para a descrever?

«Deliciosa».

Reed sentiu a boca a encher-se de saliva quando a viu servir o chá numa das delicadas chávenas Spode da sua bisavó.

Engoliu a saliva, duas vezes.

– Açúcar? Limão? – perguntou Zoe, com os olhos castanhos e límpidos fixos na sua anfitriã. – Leite?

Moira levantou os olhos da caixa de sapatos que tinha aberta no colo.

– Oh, não quero nada no chá, obrigada, mas como uma dessas bolachas de manteiga, se faz favor – respondeu. – Podes pôr aqui, em cima da mesa – apontou para um sítio na mesa de chá. – És um amor – disse afectuosamente antes de voltar a concentrar-se nos papéis da caixa. – Sei que está por aqui... – murmurou vagamente, enquanto rebuscava entre eles.

– Andas à procura do quê avó?

– E o senhor Sullivan? – perguntou Zoe, voltando-se para ele com uma chávena vazia na mão. – O que deseja?

«A ti despida na minha cama, debaixo de mim e a arquejar o meu nome num êxtase enlouquecido», pensou ele num milésimo de segundo, antes de se poder arrepender.

Zoe sorriu e abanou a cabeça.

– No chá – disse suavemente, como se ele tivesse expressado os seus desejos em voz alta.

Reed Sullivan IV, o seguidor do império Sullivan, o tubarão das finanças, o homem mundano experiente, sentiu-se imediatamente como se sentira uma vez, ao ser surpreendido a levantar as saias a Patsy Flannery durante um intervalo na aula de ginástica, na escola primária.

Agora, tal como na altura, abriu a boca para responder, mas as palavras obstruíam-lhe a garganta, e acreditava que, pelo menos, não tinha ficado corado.

– Senhor Sullivan? – insistiu Zoe, pegando na chávena de chá com uma das suas finas e ondulantes mãos, e com a outra a pinça de prata do açucareiro.

Reed teve uma repentina e perturbadora visão daquela mulher, ali de pé, despida, exactamente naquela mesma posição. Não... despida não. Na sua imaginação, tinha uns sapatos de salto tipo agulha e um aventalzinho com um debrum de bordado preto, transparente e...

– Senhor Sullivan – disse ela com impaciência, como se lhe tivesse lido o pensamento.

Ou talvez fosse a consciência culpada de Reed que fazia a voz de Zoe soar tão parecida como a da irmã Madeline Marie naquele dia, no pátio do colégio.

– Um cubo de açúcar, por favor – disse Reed, com a voz rouca.

– Um torrão de açúcar.

Ela baixou-se e usou a pinça de prata para pôr o cubo de açúcar na chávena, depois usou uma colher para mexer o chá e desfazer o açúcar, sacudiu-a suavemente de encontro à chávena, e voltou a pousá-la num pires sobre a bandeja, mas quando o fez, roçou com as costas da mão num dos bolinhos de doce de morango e levando a mão à boca, lambeu distraída o nó de um dedo.

Reed observava-a hipnotizado, fixando cada um dos seus lindos e delicados movimentos. A língua de Zoe era quase tão rosada como o creme do bolinho. «E certamente mais doce...».

– O seu chá, senhor Sullivan.

Reed espantou uma fugaz e deliciosa fantasia, em que lambia creme de morango de todos os dedos de Zoe, além de outras partes do corpo dela, e logo a encontrou de pé, em frente ao cadeirão, sustendo a chávena de chá praticamente por baixo do seu nariz. Tentou com todas as suas forças não a imaginar despida, mas foi um esforço inútil.

Zoe Moon era uma dessas mulheres que inspiram fantasias lascivas, e Reed perguntava-se como é que ficaria com um desses conjuntos de roupa interior de seda bordada, de um tamanho diminuto, dos que enchiam as páginas do catálogo de Victoria’s Secret, e um cinto de ligas preto, com bolinhas da cor do creme de morango dos bolinhos.

– Espero que esteja a seu gosto – disse ela.

– Certamente que sim – conseguiu responder com suavidade, graças aos seus longos anos de lições de boas maneiras que vieram em seu auxílio. – Obrigado.

Os dedos deles tocaram-se.

Uma onda súbita de calor subiu pelo braço de Reed, directamente até ao seu cérebro, excitando milhões de terminais nervosos e fazendo disparar sinais de alarme por todo o corpo dele. Ela olhou-o nos olhos com surpresa, como se também tivesse sentido alguma coisa, depois largou o pires e voltou-se. Reed ficou com os dedos a tremer com tanta intensidade, que teve de levantar a mão livre para amparar a chávena no prato e evitar que o chá se entornasse sobre o seu colo.

– Ah, está aqui! – disse Moira com uma voz triunfante. – Sabia que a tinha visto na caixa.

– O que é que viste, avó? – perguntou Reed, sem afastar os olhos de Zoe.

Esta continuava de pé, de costas voltadas para ele, servindo-se tranquilamente de uma chávena de chá, como se aquele momento perturbador não tivesse acontecido. A sua selvagem mata de cabelo era tão comprida que lhe roçava o cinto de couro que lhe vincava a incrível cintura.

– A fórmula – disse Moira.

– O quê? – murmurou Reed, imaginando aquela gloriosa melena solta sobre as costas nuas de Zoe, perguntando-se como seria ela ao tacto se estendesse a mão e lhe tocasse, e se os caracóis da sua púbis teriam a mesma cor ruiva que os da sua cabeça.

– A fórmula que quero que vejas, querido – disse Moira. – Encontrei-a.

Reed conseguiu afastar os olhos de Zoe o tempo suficiente para olhar para a bisavó.

– Que fórmula é essa, avó?

– A da maravilhosa loção para as mãos de Zoe. Não estás a prestar-me atenção? Reed? – levantou ligeiramente a voz, em tom de repreensão. – Reed, estás a ouvir-me, jovem?

– Desculpa – voltou a cabeça para a bisavó, tentando concentrar-se num esforço sobre-humano. – Tens toda a minha atenção – ou teria, quando Zoe se sentasse e ele tivesse de parar de fazer um esforço para a manter na sua visão periférica.

– Queres que veja o quê, querida?

– Esta fórmula, para começar – Moira tamborilou com os dedos sobre um lado da caixa de sapatos. – E o resto dos papéis, claro.

– O resto dos papéis? – Reed olhou de relance para Zoe enquanto esta se sentava num canto do canapé.

Zoe desviou para trás uma grande madeixa de cabelo, cruzou aquelas pernas compridas, finas e enfiadas em veludo, e equilibrou no joelho o pires e a chávena.

– O quê, ah...? – Reed engoliu saliva e esforçou-se para olhar a bisavó. – Que tipo de papéis?

– Oh...! – a safira brilhou quando Moira agitou a mão no ar. – Receitas, facturas e coisas do género – disse vagamente, atraindo por fim a atenção do bisneto.

Moira Sullivan nunca falava vagamente, jamais.

– Zoe trouxe todos os seus arquivos, e também as suas fórmulas – a idosa sorriu à jovem afectuosamente. – Trouxeste tudo, não é verdade, querida?

– Tudo o que pensei que pudesse ser útil na conversa – Zoe apontou para o saco de tecido que pusera no chão. – O que não está nas caixas está aqui.

– Em que discussão? – Reed inclinou-se para a frente e pousou cuidadosamente a chávena e o pires sobre a mesa para se concentrar na conversa. Tinha a inquietante impressão de que, nas suas libidinosas cavalgadas sobre a deliciosa menina Moon, perdera algo de importância vital. – Pode saber-se do que é que estamos a falar?

– Deus do céu, Reed – respondeu-lhe Moira, – não me estás a ouvir? Quero que faças o favor de dar uma vista de olhos nos papéis de Zoe.

– Já percebi isso, mas porquê?

– Porque vou dar-lhe o dinheiro de que necessita para expandir o negócio, por isso quero que me digas qual é a melhor maneira de o fazer.